quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Este fim-de-semana não fui dormir a casa.

Tive uma sexta-feira atribulada, com uma aula de Violoncelo que podia ter sido bastante melhor. Tenho muita música para fazer e decidi ficar a dormir no instituto.

Fui deitar-me na sala 41, onde dormem os rapazes de cordas do secundário. Vi que as outras camas estavam vazias, para não variar. É uma sala um bocadinho solitária, desde que o Alberto se foi embora (nunca imaginei dizer que sinto a falta dele por ali, já que estava sempre a queixar-me da confusão e do barulho que ele fazia). Às vezes o Jorge vai lá fazer companhia e nesses dias fico acordado até às tantas a falar sobre tudo e mais alguma coisa com ele. Quanto mais nerd for o tema de conversa melhor.

Mas apesar da solidão durante a noite é bom dormir ali. Todos os que dormem nesta casa, tornam-na numa espécie de lugar encantado. O gosto pela música une-nos telepaticamente, como uma radiação de fundo permanente, sempre a libertar energia (sim, eu sei o que estão a pensar...)

Acordei no sábado de manhã, com o cabelo virado do avesso, como é costume. Só faltava aparecer a Laura para dar uma gargalhada arpejada e dizer "O teu cabelo está cómico!". Ela já não mora aqui. Dorme cá às vezes, telefona todos os dias, mas agora casou-se com a música e foi viver para uma nova casa. Mas como todos os bons gregorianos, vem cá sempre aos almoços de Domingo. Cruzei-me foi com a Mafalda, que vinha da camarata feminina das pianistas do secundário (sala 44). Ela olhou para o meu cabelo e esboçou um sorriso muito discreto.

- Podes gozar se quiseres! - disse eu.

- Com o quê? Não sei do que estás a falar. - respondeu com um ar culpado e cómico.

Fui à sala 23 (WC) tratar da minha vida, e desci depois para a 10 (sala de alunos) com o meu pijama das vaquinhas. Havia imensas crianças (das quais reconheço as caras mas nunca sei os nomes) a ver os desenhos animados da manhã projectados na parede com um daqueles aparelhos que ganhámos numas rifas quaisquer. Não estava à espera de encontrar tantas crianças a passar cá o fim-de-semana. Às vezes nem tenho noção do quanto eles gostam de estar por aqui, mesmo que não seja para tocar ou cantar. Com o tempo, de certeza que esse espírito de pertença vai passar para a música que eles fizerem.

Mas não podia ficar ali especado a ver televisão com a quantidade de coisas que tinha para fazer. Fui de pijama ao Caravela, tomar o pequeno-almoço. Cheguei a pensar comer uma tosta de atum, com a fome tinha, mas fiquei-me pelo pãozinho de ló, que me pareceu mais adequado à altura do dia. Quem estava por ali sentado era o Daniel e a Filipa. O Daniel já estava arranjado para sair, porque nesse dia ia a Mafra buscar a pedaleira nova que ficara pronta uns dias antes. A Filipa estava à conversa com ele, e com uns cadernos lá das coisas que ela estuda. Estavam a rir-se, como só podia ser. Provavelmente uma piada seca da Filipa ou uma piada geek do Daniel. Qualquer um dos dois eventos é possível, e quaquer um deles tem qualidade suficiente para provocar muitas gargalhadas.

Um bocadinho depois entrou a Margarida ainda enrolada numa manta. Estava com frio, porque acabara de acordar.

- Então? Pronta para fazer música? Temos ensaio do quinteto daqui a pouco. - perguntei

- Sempre, claro! Mas só depois de fazer uns vocalizes matinais para ver se aqueço um bocadinho. Faço até ao Fá7 e vou logo ter convosco.

Entrou logo a seguir o Jorge que parecia já ter acordado há horas. Já estava vestido, trazia um bloquinho de notas e parecia, como é habitual, estar a definir um plano para controlar o mundo. Pegou no bloquinho e abordou-me.

- Olá! Olha, temos de ir daqui a um bocado às compras para o jantar!

- Ah! Já nem me lembrava... Vem cá toda a gente!

Naquele dia tínhamos combinado fazer um jantar com a famelga toda, incluindo os emigrantes que vinham cá de propósito desde a Holanda, Itália, Inglaterra, Aveiro e até Évora! E era eu que ia cozinhar, como já é habitual. O que vale é que a Teresa vinha cá ter mais cedo para me ajudar. Engraçado como ela, apesar de parecer isolada do mundo, é depois uma pessoa tão prática, disposta a ajudar no que for preciso. Foi viver para fora de casa, como a Laura, mas também continua a vir aqui todas as semanas. Continuei a conversar com o Jorge:

- O que é que se faz logo à noite? - perguntou ele.

- Epá, podia fazer bolonhesa que acaba por ser o mais prático. Não, se calhar vamos para a lasanha que é para o pessoal ficar todo contente. E depois podíamos jogar ao lobo, e cantar um bocado, talvez.

- Parece-me bem, desde que não me obriguem a cantar cânticos Hindus!

- Ahah, por muito tempo que passe acho que me vou continuar a rir dessa história.

Fizemos uma lista de compras e fomos para o ensaio do quinteto. Já lá estava a Rita na 26, ainda de pijama, toda contente a ver a parte de piano do quinteto. O entusiasmo que ela tem a tocar aquilo deixa-me mesmo feliz. Vejo nela as capacidades para vir a ser uma grande intérprete. Chegou entretanto a Sofia, com um ar todo enérgico e cheia de vontade de voltar a pegar no Violoncelo, e depois a Margarida, já mais acordada. E tivemos um ensaio do caraças (perdoem-me a expressão). Senti-me verdadeiramente honrado por ter a oportunidade de fazer ESTE trabalho com ESTES amigos. Já mais para o fim do ensaio, começámos a tocar músicas de Natal na brincadeira, com harmonias malucas e com o Jorge a fazer glissandos no Jingle Bells.

Ouvi a certa altura um piano na 27.

Lá! Lá! Dó#! Mi! mi-ré, dó#-si, lá-sol#, fá#-mi. Si! Si! Ré! Fá#! Miii! Ré-Mi...

Fiquei estático e com o coração a bater um bom bocado mais depressa. Não era suposto... Ela tinha-me dito que este fim-de-semana ia a casa. Mas agora não a podia interromper. Que dilema... Contive-me e fui para a sala de alunos. Depois da algum tempo na conversa ouviu-se A pergunta "Bora ao topo?" vinda do Pombo, que estava de máquina fotográfica na mão. Tinha passado um Antonov 225 ali em cima, e ele teve de o fotografar, obviamente. Toda a gente concordou e para lá nos encaminhámos, que estava na hora do almoço. Mas havia alguém que tinha de ir chamar. As saudades já apertavam fortes demais. Fui ter à 27. Ouvia-se vagamente o som do piano cá fora. Abri a porta de rompante, para encontrar uma professora a tocar uma coisa qualquer. Parou imediatamente quando entrei e perguntou:

- Tens á cértêza de que nâu te querez ir imbôra?

- Ah, desculpe... foi engano.

E saí entristecido. "Que fail! Pensei que... Bolas, vou mas é almoçar."

Entretanto ouvi o órgão a tocar. Era o Ricardo. Passei por lá para o trazer para o Topo.

- Would you fancy a bite to eat at "the top"?

- Yeah mate! Sure. - respondeu com sotaque escocês. E continuou:

- Olha, está aí a chegar o Afonso! Hi lad!

- Afonso!!! Que é feito! Já tinha saudades tuas! Fazes falta por aqui... - disse eu.

- Epá, ando com uns stresses, sabes comekié. - e deu um abraço a mim e ao Ricardo.

- És sempre a mesma coisa. Temos muito de conversar! Há muita informação para actualizar rapaz! - ralhei com ele.

- Sim, também me aconteceram umas cenas e tal...

- Depois falamos melhor. Agora vamos almoçar, tens de vir. Então e o Zé?

- Já está aí a chegar. Está a acabar um projecto de programação.

- Faz bem ao carácter. E umas bananinhas ajudam sempre. Ahah!

Acabaram por vir também muitos outros almoçar. O António, a Carolina Sá, a Laura, a Mafalda, a Ché, a Leonor, a Maria da Paz, o Luís e a Carolina Correia. A Ana Raquel veio, já sem cornetos, e trouxe consigo o seu maestro Oliveira. Foi a risota total durante o almoço. Falou-se de tudo e mais alguma coisa. Até já ficámos com mais um concerto em Alverca marcado! Sabe tão bem estar com esta gente. Já quase no final dos nossos hamburgueres, e entrou o TiagoA, no seu pijama com os carrinhos.

- Então, que tal esse sono de bela adormecida?

- Epá, foi do bufo. Dormir e comer. Este dia promete! - exclamou o TiagoA.

- Ahah! Granda deboche! Temos de ir daqui a um bocado às compras. Vens comigo e com o Jorge para nos ajudares a carregar a cerveja.

- Na boa! Mas até parece é que eu só sirvo para isso. AHAH!

Entretanto, olhei pela janela do Topo e reparei que uma rapariga estava a passar em frente ao instituto com um saco que parecia estar carregado de livros. Podia jurar que... "É só impressão minha", pensei, e deixei isso para trás. Acabámos por ficar imenso tempo ali na conversa e a fazer desenhos na mesa do restaurante. Depois de pagarmos fomos às compras. A Laura entretanto tinha mandado uma mensagem a dizer para gastarmos pouco dinheiro. "Preocupa-se demais! Mas é um xuxu!", pensei.

Durante o tempo que tinha livre fui estudar o concerto de Saint-Säens, o Bach, e o raio dos estudos do Popper... E estudei como nunca tinha estudado. Só espero fazer bem aquele exame. Vai ser a última coisa que eu faço naquela casa.

Estava quase a chegar às 18.00. A essa hora passava por cima do IGL o nosso jacto particular que trazia a Ana, o André e a Bayley. Eles iam saltar de pára-quedas ali à frente da câmara. Desta vez até o Manuel vinha, só para verem a dimensão do evento. Mas entretanto chegavam de helicóptero o Alberto, a Débora e a Eunice e o Luís P. Deu para reconhecer a Débora, porque vinha com um daqueles carrinhos de compras das velhotas com legumes da horta. E ouviu-se ao fundo o barulho de um avião. Eram os estrangeiros a chegar!!! Estava com uma vontade de ver aquelas pessoas! Voltar a partilhar nerdisses com a Bayley, mostrar-lhe as minhas composições e ver as descobertas musicais dela. Ir ao bairro com o Manuel. Falar com o André sobre tudo aquilo que temos em comum, desde o IST à religião, e claro, a música. E dar um abraço mesmo grande à Anny, e dizer-lhe como ela é uma pessoa mesmo importante na minha vida.

Mas agora a confusão era demasiada. Estavam todos numa excitação. Os putos todos queriam falar com o André que andava sempre na brincadeira com eles o ano passado. O IGL parecia o mesmo de há 2 anos. Nem melhor nem pior. Simplesmente com pessoas diferentes e com nós próprios a vê-lo de forma diferente. Só faltava agora a Teresa e a Laura que vinham com o VV (a sua presença tornava este jantar numa actividade inter-institucional). Ouviu-se um riso irreconhecível. Eu respondi com o meu riso de trolha, e desencadeou-se uma reacção em cadeia, em que a Teresa estava já quase no chão de tanto rir. A Filipa ainda não tinha observado este fenómeno, e perguntou discretamente à Anny se era desta que tínhamos dado em doidos, enquanto as duas faziam uma análise psicológica do assunto.

Depois de tudo isto reparei que entrava na 5 de Outubro um Citröen AX com um ar muito velhote. "Não é possível! Ela está cá afinal? E a conduzir?". O carro aproximou-se, abriu-se a janela:

- Olá Franny! Como te corre a vida?

- Estás aqui! - disse eu, quase a saltitar de emoção.

- Não. Sou um holograma.

- Hey! Essa piada podia ser minha... Mas agora a sério! Não disseste que ias a casa? - perguntei, ainda sem perceber muito bem o que se estava a passar.

- Disse. Mas foi mais forte do que eu. Por mim ficava aqui sempre. Vim para cá estudar de manhã, e vou dormir cá hoje.

- Então eras tu a tocar piano hoje de manhã?

- Sim, sabia que tinhas ensaio e não te quis incomodar.

- E porque é que não me disseste nada? Porque é que não vieste almoçar connosco?

- Às vezes também gosto de causar impacto... Não podes ser sempre tu a fazer coisas não planeadas! Hihi... Fui a casa, e estreei-me a conduzir o carro sozinha, depois de ter passado na condução! Fui lá buscar uns vídeos de que me tinha esquecido para vermos hoje com toda a gente.

- Ainda bem que vieste! Este jantar só pode correr bem!

E estava tudo preparado para uma noite em cheio. O "salão" 6 ia receber a maior lasanha do mundo e a maior dose de crepes da história! "Podes me fazer companhia? Isso chega (desta vez não há frango para cortar). Ao trabalho! Teresa, corta aqui umas cebolas! Anny, há béchamel? Laura, dás-nos apoio moral? Tiago, arranja-me aí uma cerveja e ajuda-me a fazer a massa para os crepes... é que não há batedeira outra vez. Sr. Viana, passe aí os oregãos. Devem estar na prateleira de órgão."

E enquanto cozinhávamos na copa íamos ouvindo a música a ressoar pela casa. As paredes estavam vivas. O órgão tocava com todos os registos pelas mãos do André enquanto se experimentava a nova pedaleira do Daniel. Na sala de alunos cantavam-se Motetes de Bach. As salas com piano estavam quase todas ocupadas. As crianças brincavam às escondidas, arriscando-se a ganhar um ralhete da Dona Lina. Dois Violinos tocavam na sala ali ao lado: Ré, mi, fá, soool, fá, mi, dó, ré...

Como correu o jantar? Alguém que conte!

Francisco Moitinho de Almeida

4 comentários:

baGa disse...

aaaawwwwww :')

Busorganist disse...

O jantar... Eu comi de mais... E a vossa sorte foi que tive que sair mais cedo para ir ao aeroporto fotografar o an-225 a sair XD

Filipa de disse...

:') nunca pensei que tu viesses fazer este smile de lagrima no olho... I'm Glad I was wrong!

Deb disse...

'Deu para reconhecer a Débora, porque vinha com um daqueles carrinhos de compras das velhotas com legumes da horta'

Say whaaaaaaaaaaaaaaat????





(e pra quando esse jantar?)