quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Noites passadas no IGL

Eu estava a fazer o turno da noite. Vigiar o IGL era a tarefa, para ter a certeza que durante a noite as coisas nao descambilhavam.

Comecei a ronda. Fui até à sala de coro, professores e a outra, tudo normal. Voltei para dentro. Lá fora fazia um frio de morte.

Na sala de alunos, estava tudo nos conformes. Talvez um pouco dessarumado. Detesto quando nao deixam o comando em cima da televisão. Depois queremos ver o "Mezzo" e tem que se andar a clicar no botao da televisao. O DVD tinha ficado ligado, e o sofá estava cheio de migalhas de pipocas.

Verifiquei quem tinha querido comprar os Graduais Triplex, no placar, e ainda so tinha 4 nomes. Sorri. Mas quem é que nao ia querer aproveitar esta promoção?

Umas partituras estavam soltas em cima da mesa. Peguei. Educação Vocal. Alguem há-de dar conta que desapareceu, pensei.

Sentei-me no sofá, liguei a aparelhagem. Talvez a ronda pudesse esperar mais um pouco. Peguei num cd que tinha perto. "Handel - Organ Concertos". Poderoso. Mas é que é mesmo!

Estava pronto a fechar os olhos, para eu tambem dormir ao som de tao boa musica, quando senti passos no corredor. Levantei-me num àpice. Preparava-me para ralhar. Afinal, nao é permitido andar na parte de baixo depois da hora de deitar, que ja tinha passado à um bom bocado.

Quando sai da sala de alunos, vi uma das miuditas gemeas loiras.

"Beatriz?"
,
perguntei, entre um sorriso e preocupação.

"Não, sou a Leonor, André...",
respondeu-me. Já é costume eu nao as conseguir distinguir.
Cheguei junto dela e baixei-me. Reparei que estava com um bocado de vergonha de falar.

"Entao, Leonor, que se passa?"

"... Nao consigo dormir..."

Suspirei de alivio. Peguei-lhe na mao e levei-a até ao seu dormitório.

"Anda. Eu conto-te uma história.", disse-lhe, enquanto atravessa a cozinha para ir ter às escadas de acesso ao segundo andar.

Entrámos no dormitório das raparigas. Estava tudo a dormir. Ouvia-se uma respiração lenta e calma em cada local.

Deitei-a na cama, puxei-lhe os lençois, enquanto punha uma cadeira ao lado da sua cama.

"Que história é que me vais contar, André?", perguntou com aquele seu ar misterioso.

Olhei em volta. Lembrei-me entao de um truque que costumo usar. Fui até à mesa comum da sala, e procurei por um livro em especial. Encontrei-o.

Voltei e sentei-me.

"Gradual? Mas isso nao é um livro que voces, os grandes, usam para cantar?", perguntou.

Ri-me e nao disse nada. Abri o livro, e fiz um ar de espanto, como se tivesse acabado de encontrar exactamente a história que queria. E entao, no improviso, lancei:

"Era uma vez o Rui. O Rui era um menino como tantos outros. Tinha os seus sonhos, passatempos, aventuras, amigos e amigas. Mas o Rui tinha algo mais: tinha um amiga especial. Falava-lhe todos os dias. Tinham discussoes, muitas vezes! Outras riam-se perdidamente, chegavam a chorar de tanto rir. Eram grandes amigos. Inseparaveis. Um dia, Rui recebeu uma notícia muito triste: a sua amiga ia-se mudar para outra cidade..."

"Porque?",
interrompeu-me a Leonor, com os olhos ja quase a fecharem-se.

"Nao sei, aqui nao diz. Talvez nao fosse importante. O que interessava é que eles iam ficar separados."

"Oh... mas podiam falar por telemovel!"

"Mas quando escreveram esta história ainda nao haviam telemoveis. Mas so ca para nos, essa era uma ideia genial!"

Leonor riu-se. Reconfortou-se um bocado mais. Eu continuei:

"Rui nao desistiu. Nao podia deixar a sua melhor amiga ir embora. Entao, um dos dias antes de a sua amiga partir, foi falar com ela. Foi dizer o quanto gostava dela. O quanto queria ficar com ela..."

"Blergh.. essa história é um bocado lamechas. Mas eles eram amigos ou namorados?"

"Amigos. Foi então que Rui teve uma ideia brilhante. E se ele se mudasse tambem?"

"Os pais deixavam?"


"Acho que sim, aqui nao diz nada! Ora deixa cá ver onde estava.. ah, aqui!... e foi assim, o Rui tambem foi para a outra cidade. Afinal, ele nao se podia separar da Música."


Fiz uma pausa. A história tinha acabado, Leonor estava quase a dormir, mas nao muito convecida da história.

"Esse livro é um bocado rasca..."

"Hum...",
disse eu, enquanto fingia inspecionar a capa, "nem por isso. Daqui a uns anos vais ver que nao!"

E fiz silêncio. Deixei-me ficar ali. Ela continuava com a minha mao dada. Até que deixou de fazer força. E mais uma respiração lenta e calma surgia.

Peguei na cadeira, pu-la no lugar, e pé-ante-pé sai do quarto.

"Boa noite", sussurrei.

Amanha é outro dia. Inseparavel.

5 comentários:

LL disse...

Oh.. que fofinho!
Amanhã é outro dia.

Anónimo disse...

As gémeas são simpáticas.
Amanhã .. é sempre mais um dia no IGL.

Anónimo disse...

És uma pessoa muito especial, André. Inesquecível.

Elsa Cortez disse...

Estou a conhecer uma nova faceta do meu aluno...

Anónimo disse...

André, às vezes surpreendes-me... beijinhos